Cristina Vaz de Almeida, Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
A informação per si não muda comportamentos, mas é um bom início.
Exercer os direitos e deveres é também um ato de cidadania.
Sabemos que as pessoas que têm baixos níveis de ativação são menos propensas a desempenhar um papel ativo e a manterem-se saudáveis.
A sua falta de confiança e experiência de não conseguirem gerir a sua saúde, significa muitas vezes que preferem não pensar nisso, tendem para a inércia ou delegam nos outros essa tarefa (Kings Fund – Reino Unido, 2014)
Como ativamos um cidadão? Este é um desafio para uma melhor qualidade de saúde
Criar momentos significativos para os utentes requer um pensamento mais complexo, analítico e de precisão para descobrir as intenções, interesses e necessidades desse utente (Mckinsey, 2021; ODS, 2015).
Cultura e limitações
Ha questões culturais por detrás da falta ou limitação de acesso à saúde e á própria compreensão da informação. Nesse sentido, implementar direitos e deveres com sucesso significa que é preciso criar uma cultura da organização que reúna as pessoas em torno de uma visão e um propósito comuns.
Estábem identificado que as pessoas migrantes e outros públicos mais fragilizados;: 1) Sofrem discriminação nos cuidados de saúde; muitas vezes o seu profissional não teve tempo para ouvir as suas preocupações ou; Ignorou as suas preocupações; outras vezes os profissionais não explicaram as coisas de uma forma compreensível; Os serviços de intérprete não estavam disponíveis ou não eram prestados em tempo útil; e pode acontecer que estas pesoas podem ser desrespeitadas pelos funcionários de acolhimento.
As barreiras de acesso destes públicos marginalizados podem dever-se a: 1) Horários inconvenientes; 2) Locais de consulta inconvenientes; 3) Problemas de navegação nos cuidados de saúde; 4) Impossibilidade de falar com alguém na sua língua preferida
A lei é lei. Mas bastará a sua existência?
A Lei bases da saúde, n.º 2 da Base 4 da LBS cita na alinea k) A divulgação transparente de informação em saúde (p.13)
De fato a informação é um direito (n.º 2 da Base 4 da LBS ) mas se não for assertiva, clara e positiva não é compreendida e, o que não é compreendido, geralmente não leva a boas decisões de saúde quando necessário.
A alínea i) descreve precisamente a “Transparência”, assegurando a existência de informação atualizada e clara sobre o funcionamento do SNS (p.14).
O direito à decisão contempla dois vetores essenciais: o direito à informação e o direito ao consentimento ou à recusa.
A decisão do utente sobre os cuidados de saúde que lhe são propostos, para ser juridicamente válida, deve ser livre, informada, esclarecida e consciente.
Neste sentido também é válido projetar e debater as direitos dos pacientes na sua jornada em saúde para que eles possam ser atores da sua caminhada. As competências comunicacionais e a capacitação em literacia em saúde das organizações e profissionais, são essenciais para se obter um melhor acesso, compreensão e uso dos recursos de saúde.
Incentivar à participação e à experiencia positiva. Mesmo em pequenas jornadas, existem pontos de contato e processos para serem reimaginados especificamente para melhorar o bem-estar dos pacientes.
O direito a informação está preconizado nos direitos fundamentais.
A experiência na navegação no sistema de saúde e a escolha acertada
A experiência da navegação no sistema de saúde é complexa para o cidadão. Abrange uma gama de interações baseadas sobretudo em informação técnica, que os pacientese as suas famílias têm de lidar quando se encontram a navegar pelo sistema de saúde.
A informação diz respeito aos dados e mensagens que circulam à volta da pessoa, e que ela terá de selecionar, fazer a triagem e usar da melhor forma possivel, e, tomar decisões acertadas com base nessas escolhas. Para além disso há vários passos necessários a dar, como por exemplo, não ir à urgência hospitalar se não for necessário (saberá ela quando não é necessário se não telefonar para o SNS 24?) e que permitem que a pessoa possa não apenas saber onde se dirigir, o que deve fazer para manter a sua saúde ou prevenir a doença entre tantas outras decisões.
Se em tudo existe informação, por vezes até a mais, o que se passa para não conseguir fazer a tal separação entre informação útil e utilizavel e não util, e por isso naquele momento sem prioridade?
A revista Science anunciava em 2023 no seu editorial que é preciso “Repensar o ecossistema de inovação para incorporar a equidade como um princípio orientador fundamental – desde a conceção da investigação e requisitos de financiamento até às políticas e regulamentos que regem a entrega e supervisão de novos produtos e serviços ao público”. E este processo naturalmente inclui o atendimento, a interação com profissionais de saúde e equipas em hospitais, instalações de saúde e processos (como o consentimento informado, as prescrições, a navegabilidade) até à decisão final.
Muitos desafios a superar na região europeia com influência na informação
Os desafios europeus, reveladores de barreiras e oportunidades, que se manifestam em vários contextos, têm influência no processo de assimilação da informação circundante. Elencamos os 12 Desafios que foram previstos pela WONCA Europe 2019 – 2022, uma organização que integra os médicos de familia (medicina geral e familiar) e que de forma clara e sintética sumariza os desafios que a Região Europeia enfrenta, São eles:
A Organização Mundial da Saúde (2019) recomenda para fazer face aos desafios, aumentar a literacia em saúde, para atingir plenamente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Significa que é preciso tornar menos complexo o sistema de saúde e, sobretudo criar ferramentas e condições para que a informação seja compreendida, assimilada e praticada.
Uma visão sustentável do mundo preconiza há várias décadas: 1) Construir políticas públicas saudáveis e seguras e reorientar os serviços; 2) Criar ambientes de apoio para a saúde (física e mental); 3) Fortalecer ações de saúde na comunidade; 4) Desenvolver competências pessoais e digitais; 5) Trabalhar em rede e desenvolver politicas e relações multissetoriais (Carta de Otawa, 1986; WHO, 1998; ODS, 2015)
Melhor literacia em saúde: melhor saúde
Com uma melhor literacia em saúde procuramos desenvolver um modelo ativo, com uma abordagem empoderadora e de capacitação, focada em educar e respeitar as pessoas(profissionais, doentes e famílias) para cumprir com os cuidados clínicos recomendados (Nutbeam, 2008)
Assim sendo, o cidadão não pode ser excluído do processo de decisão.
As evidências demonstram que os pacientes que estão envolvidos nas suas decisões de cuidado e gestão da sua saúde, mesmo das condições crónicas, têm melhores resultados, custos mais baixos e maior status funcional do que aqueles que não estão tão envolvidos (Gifford et al., 1998; Superio-Cabuslay et al., 1996; Von Korff et al., 1998; Wagner et al., 2001).
Para além do individuo, as organizações têm de ser também literadas (Brach et al, 2012), o que significa terem: 1) Políticas claras na organização; 2) Capacidade de liderança da gestão; 3) Dados fiáveis e interoperaveis; 4) Profissionais de saúde qualificados e abertos a mudança; 5) Comunicação clara e 6) Envolvimento efetivo dos pacientes e cuidadores (cultura). E para todos estes passos deve haver um banho de informação credível, acessível e útil ao paciente e ses familiares que percorrem so corredores infindáveis da saúde.
Os estudos mostram o valor da literacia em saúde. Na verdade, a literacia em saúde salva vidas como refere a OMS (2022)
E quais as consequ~encias de uma maior e melhor literacia em saude do cidadão?
CONSEQUÊNCIAS |
Menos hospitalizações |
Menos mortes prematuras |
Menos custos em saúde |
Mais rastreios |
Mais autocuidado/adesão |
Mais conhecimento de fatores de risco |
Mais proatividade na saúde |
Mais saúde mais riqueza e bem-estar |
Passos para uma literacia em saúde mais fortalecida
É preciso que o direito à informação se faça valer para debater, confrontar, reparar as inequidades, e fazer agir os decisores: 1) Reconhecer e desmantelar o racismo e o preconceito sistémico; 2) lidar com as disparidades para cuidados da mais alta qualidade e mais equitativos possíveis; 3) Compreender e agir de acordo com as necessidades e vulnerabilidades; 4) Capacitar mais as forças de trabalho em saúde; 5) Reconhecer e reforçar o foco no que é mais importante para os pacientes, seus familiares e parceiros de cuidados para garantir um atendimento humanizado e um compromisso com a saúde e o bem-estar; 6) Colaborar e contribuir por meio da aprendizagem partilhada dentro e entre organizações, sistemas; 7) Assegurar o continuum de saúde mais amplo para reforçar os caminhos da literacia em saude; 8) Ousar fazer algo diferente mas construtivo para o cidadão, para um sistema de saúde mais centrado no ser humano, igualitário e eficaz.
Investir na experiência humana positiva
Quando investimos na experiência humana em cuidados de saúde, em que os seus direitos estejam garantidos e que o direito à informação seja construtivo, robusto e efetivo, podemos criar um sistema de saúde mais eficaz, responsivo e equitativo .
O objetivo é conseguir experiências e resultados positivos para o cidadão, criando um copntexto e um ambiente mais solidário e colaborativo para o individuos onde todos contam, em vez de “não deixar ninguem para trás”, envolvendo todas as pessoas, inclusivamente os profissionais de saúde, as comunidades, e os stakeholders neste vasto e complexo sistema que une o servoço público ao privado.
Caminhar para aprofundar o sentimento e o sentido de “One health” em cada um de nós, pelo respeito pela Pessoa, pelo Ambiente e pelos Animais numa conjugação que permita avançar e fortalecer os prorios direitos, e, em particular este direito à mais básica informação que pode mudar a forma como somos, como agimos e o que queremos para o futuro das gerações.
Cristina Vaz de Almeida
Doutora em Ciências da Comunicação - Literacia em Saúde
Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
Diretora da Pós Graduação em Literacia em Saúde (ISPA)
Chief-Editor of Jornal Investigação Médica (JIM)
Peer Reviewer - Portuguese Journal of Public Health
Investigadora do ISCSP - CAPP
BUMPER - Member of Advisory Board
Member NCH - National Cancer Hub - Portugal
Member of Conselho Português para a Saúde e Ambiente
Member of RACS - Rede Académica de Ciências da Saúde http://racscplp.org/
https://www.linkedin.com/in/cristinavazalmeida/
ORCID https://orcid.org/0000-0001-5191-1718