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Jornadas ERS: Direitos e Deveres dos Utentes dos Serviços de Saúde


Sofia Nogueira da Silva - Presidente do Conselho de Administração da Entidade Reguladora da Saúde

As Jornadas ERS sobre Direitos e Deveres dos Utentes dos Serviços de Saúde surgiram num momento natural na vida da Entidade Reguladora da Saúde (ERS).

Muito embora a nossa intervenção seja feita, em larga medida, juntos dos prestadores de cuidados de saúde, o nosso propósito último é sempre a garantia dos direitos dos utentes, que é para quem o sistema de saúde existe. E nunca podemos perder isso de vista.

A ERS tem múltiplas áreas de intervenção, e um largo leque de atribuições estatutárias. E tem poderes diversos, também consagrados nos seus Estatutos: poderes de regulação, regulamentação, supervisão, fiscalização e sancionatórios.

Para além da garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de qualidade e demais direitos dos utentes, a ERS intervém em áreas tão diversas quanto garantir o cumprimento dos requisitos de funcionamento dos estabelecimentos, incluindo o licenciamento quando aplicável; garantir a legalidade e transparência das relações económicas entre os vários agentes do sistema de saúde; e aplicar o regime jurídico das práticas de publicidade em saúde.

Mas, reforço, toda a intervenção da ERS visa sempre, em última instância e mesmo que indiretamente, a proteção do utente e dos seus direitos, ainda mais quando se sabe que o setor da Saúde se carateriza pela existência de informação imperfeita e profundamente assimétrica, não estando o utente, regra geral, em condições de tomar decisões relativas à sua saúde e/ou à forma de a recuperar sem recorrer a um prestador de cuidados, e depositar nele pelo menos parte da tomada de decisão, na expectativa de que esta decisão seja a mesma que ele tomaria se fosse detentor da informação que o prestador tem.

Esta constatação, agravada pelo facto de, em situações de necessidade de recurso a cuidados de saúde, tipicamente o utente não ter o tempo necessário nem a capacidade de recolher mais informação, e pelo facto de, em particular no SNS, a sua liberdade de escolha não ser total, torna fundamental a existência de uma entidade externa às esferas da decisão política, da prestação de cuidados e do seu financiamento que, de forma isenta e equitativa, intervenha sempre que os seus direitos sejam violados. É esse o papel da ERS.

Sendo certo que a informação será sempre imperfeita e assimétrica (nem poderia ser de outra forma), para que o utente esteja capacitado para tomar decisões tão informadas quanto possível, é crucial promover a literacia quanto aos seus direitos, junto de todos os agentes do sistema de saúde. Só assim será possível que, aquando do recurso a serviços de saúde, o utente possa de imediato resolver alguma situação de potencial violação desses mesmos direitos e, quer essa violação não se tenha vindo a concretizar por ele não o ter permitido, quer o tenha – e mais ainda nesse caso -, possa reclamar, para que a sua situação se resolva à posteriori ou, pelo menos, para que o prestador reclamado – em primeira linha – e a ERS, atuem de forma a que esta não se repita (com este ou com outros utentes).

Esta preocupação tem vindo a ganhar crescente relevo nos últimos anos e, em particular, desde 2016, quando se deu uma reorganização da estrutura da ERS, se procurou centrar no utente a atuação de todas as suas unidades orgânicas e se criou uma Unidade de Informação e Literacia especificamente para o efeito. Desde então, a garantia dos direitos e interesses dos utentes tem sido um eixo estratégico para a ERS, promovendo-se a redução de assimetrias de informação e o reforço da literacia em saúde.

Por outro lado, nos últimos anos, a ERS tem vindo a fazer uma reflexão profunda no que diz respeito ao seu modelo de supervisão, fruto da necessidade de uma intervenção mais eficaz e de uma mais eficiente alocação dos recursos disponíveis, necessariamente limitados face à dimensão e complexidade do universo regulado, em particular num sector tão dinâmico e em rápida mudança. Se alguma coisa a pandemia nos trouxe, foi a perceção inequívoca da necessidade das múltiplas organizações do sistema de saúde se ajustarem rapidamente a novas realidades e contextos, procurando dar respostas adequadas e em tempo às necessidades das pessoas. A ERS tem que ser capaz de fazer o mesmo, e esse é o nosso grande desafio.

O pano de fundo para toda a intervenção da ERS no triénio 2020-2022, e em particular desde o início da pandemia, tem sido, por isso, trabalhar para alterar o seu paradigma de intervenção, passando de um modelo de supervisão e intervenção regulatória essencialmente reativa, muito assente na identificação e análise de incidentes, para um modelo de supervisão preventiva assente na avaliação de risco, que permita identificar prestadores de cuidados de saúde ou segmentos do setor que exijam uma maior atenção por parte da reguladora, intervir precocemente e assim prevenir a ocorrência de incidentes, promovendo a prestação de cuidados com qualidade e segurança e a garantia e defesa dos direitos dos utentes, em especial do direito à proteção da saúde.

A promoção da literacia dos utentes, prestadores e demais agentes do setor relativamente aos direitos dos utentes é crucial para que esta intervenção preventiva se efetive. Quanto maior for o nível de informação de todos, menor será a probabilidade de ocorrência de situações de violação destes direitos e, a ocorrerem, maior será a probabilidade de serem rapidamente identificadas e reportadas à ERS, permitindo uma intervenção célere. As reclamações são, de resto, uma das fontes de informação mais robustas para a ERS, uma vez que as recebemos todas, independentemente do prestador reclamado e do canal utilizado por parte de quem reclama. E são já 100.000 por ano.

A ERS tem vindo a promover múltiplas ações (sessões de esclarecimento, campanhas informativas, alertas de supervisão), para além da publicação de informação no seu website, com o objetivo de sensibilizar e prestar informação e orientação aos utentes e ao sector regulado, colmatar falhas e dificuldades detetadas no acesso a informação, e apoiar a tomada de decisão esclarecida. Tais ações são sempre adaptadas, na sua estrutura e forma, aos públicos-alvo e desenvolvidas em parceria, sempre que tal faça sentido, tanto mais que há várias outras entidades com competências nestas matérias.

Em 2021, a ERS publicou o documento “Direitos e Deveres dos Utentes dos Serviços de Saúde”, integrado num projeto mais amplo,  e que recolhe legislação e informação relevante sobre direitos e deveres dos utentes que se encontravam dispersas em várias publicações da ERS e disponibilizadas no seu website, em especial nas decisões proferidas em sede da intervenção administrativa e sancionatória, estudos, alertas de supervisão, notas informativas, perguntas e respostas frequentes e folhetos informativos, bem como informações contempladas em ações formativas promovidas pela ERS.

Agora que a pandemia parece ter-nos dado tréguas, permitindo-nos retomar alguma normalidade, a esta publicação seguir-se-ão diversas iniciativas. Estas Jornadas foram uma dessas iniciativas. Tendo contado com mais de 450 participantes – em larga medida na qualidade de utentes e representantes de associações de utentes, prestadores de cuidados de saúde, instituições de ensino superior e administração pública local -, e com intervenções da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, da Direção-Geral do Consumidor, da Direção-Geral da Saúde, do GAT – Grupo de Ativistas em Tratamentos, do projeto Mais Participação Melhor Saúde, e da Plataforma Saúde em Diálogo, para além de várias intervenções por parte de elementos da ERS, resta-nos esperar que este evento tenha contribuído para que cada participante, e todos aqueles a quem, por esta via, a ERS tenha conseguido chegar, possam ocupar em pleno o seu lugar no sistema de saúde.


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