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Direito à reclamação no setor da saúde


Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões

Eduardo Farinha Pereira

Este texto constitui um contributo da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), refletindo a intervenção apresentada no webinar realizado em 20-05-2022, no âmbito do painel “Direito à reclamação no setor da saúde”[1].

O direito à reclamação no setor da saúde circunscreve-se, necessariamente, no caso da ASF, aos seguros de saúde[2].

  • Caracterização do mercado de seguros de saúde

De acordo com a informação de que a ASF dispõe:

  • Entre 2016 e 2021 a produção do seguro de saúde (seguro direto) cresceu mais de 56%, passando de 652 para 1 019 milhões de euros (valores provisórios), sendo de sublinhar um crescimento mais acelerado em 2020 com a pandemia COVID-19 e com a disponibilização de coberturas adicionais para responder aos novos riscos.
  • No mesmo período registou-se um aumento de quase 25% no número de pessoas seguras, passando de 2,7 milhões para 3,4 milhões de beneficiários (valores provisórios)[3].

Destes, cerca de 55% beneficiam de seguros de grupo, resultado da política de recursos humanos das empresas, que financiam um seguro de saúde para o trabalhador e, por vezes, também para o seu agregado familiar.

Em média, os contratos individuais têm 1,7 pessoas por apólice e os seguros de grupo têm 17,6 pessoas por apólice.

  • O prémio médio anual por pessoa segura foi, em 2021, de cerca de 330 euros para os seguros individuais e de 280 euros para os seguros de grupo.

Estes dados podem ser complementados com a informação divulgada recentemente pelo estudo Basef Seguros, da Marktest:

  • Em 16 anos, o número de pessoas seguras aumentou 90%.
  • Cerca de 34% dos residentes em Portugal com pelo menos 15 anos possuem ou beneficiam de um seguro de saúde.

Os indivíduos entre os 25 e os 44 anos apresentam uma taxa de posse de seguro acima da média, cerca de 44%, baixando com o aumento da idade, até aproximadamente 21% nos indivíduos com mais de 64 anos.

Os indivíduos pertencentes à classe social alta e média alta têm uma taxa de posse de seguro de saúde cerca de duas vezes superior à dos indivíduos das classes média baixa e baixa.

Em termos geográficos, verifica-se que a taxa de posse mais elevada se regista na área da Grande Lisboa, com cerca de 44%, um valor muito superior ao observado no Interior Norte, por exemplo, onde aquele indicador não ultrapassa os 26%.

  • Supervisão do seguro de saúde

A supervisão do seguro de saúde, numa perspetiva de conduta de mercado, bem como o tratamento de reclamações e o apoio ao consumidor são assegurados pelo Departamento de Supervisão Comportamental (DSC) da ASF.

A ASF procedeu em julho de 2019 a um processo de ajustamento organizacional no sentido de, primeiro, aproximar funcionalmente o tratamento das reclamações das áreas core de supervisão comportamental, com vista a potenciar as sinergias resultantes de um processo mais articulado e, depois, integrar a equipa de comunicação com o consumidor e a literacia financeira no DSC, agilizando a troca de informações que permite que as iniciativas levadas a cabo nesta última vertente estejam perfeitamente alinhadas com os temas mais sensíveis, tendo em consideração as reclamações apresentadas por consumidores e as conclusões que resultam do processo de supervisão.

  • Enquadramento legal e tratamento das reclamações por parte da ASF

É de sublinhar, a título de enquadramento legal, que, de acordo com os seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 1/2015, de 6 de janeiro, a ASF recebe e analisa as reclamações apresentadas pelos consumidores contra as entidades supervisionadas relativas a questões que não estejam pendentes noutras instâncias[4].

Assim, a ASF não é uma instância de recurso para resolução de conflitos: i) não pode decidir sobre os casos concretos que lhe são reclamados, nem possui serviços de mediação ou arbitragem; ii) a intervenção da ASF não prejudica a aplicação das regras gerais relativas aos direitos dos reclamantes, designadamente o recurso à via judicial; iii) o recurso à ASF não suspende o decurso de qualquer prazo ou evita as suas consequências.

Observando estes princípios, a ASF analisa se no caso concreto que deu origem à reclamação foram observadas as normas que regem a atividade das entidades sujeitas à sua supervisão (empresas de seguros, sociedades gestoras de fundos de pensões e mediadores de seguros) e se são prestados os esclarecimentos devidos ao reclamante. Se a reclamação indiciar a violação de normas legais ou regulamentares, a ASF pode abrir um processo de supervisão e/ou de contraordenação.

Por outro lado, e com vista a apoiar o consumidor durante as várias etapas que precedem a apresentação de uma reclamação, para a qual existe um formulário próprio no Portal do Consumidor da ASF[5], foi incluída nesse percurso diversa informação, quer quanto às competências da Autoridade quer quanto aos direitos que assistem (ou não) ao consumidor, no caso concreto, com vista a um adequado esclarecimento prévio relativamente à reclamação que pretende apresentar.

Tendo em consideração a experiência da ASF, nomeadamente quanto à proporção de reclamações que têm um desfecho favorável ao reclamante (que adiante referiremos), é de toda a conveniência que se procure primeiro resolver o diferendo com a entidade reclamada, sendo os consumidores aconselhados a fazê-lo antes de recorrer à ASF.

Finalmente, tendo presente que por vezes surgem dúvidas sobre as matérias que se enquadram nas competências da ASF, é de salientar que não estão sujeitos à supervisão da Autoridade: i) a atuação dos prestadores de saúde e a qualidade dos cuidados de saúde prestados; ii) o relacionamento entre as empresas de seguros e as redes de prestadores, a menos que do mesmo decorra prejuízo objetivo para os consumidores, atuando a ASF, nesse caso, sobre a empresa de seguros; iii) o desenho, a comercialização ou o funcionamento dos planos de saúde.

  • Estruturas de conduta do mercado

O regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora, aprovado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, tal como o anterior regime aplicável a essa matéria[6], prevê que as empresas de seguros disponham de diversas estruturas de conduta de mercado, com vista a um tratamento adequado dos tomadores de seguros, segurados, beneficiários ou terceiros lesados, de entre as quais salientamos:

  • A função autónoma de gestão de reclamações, ponto centralizado de receção e resposta a reclamações, função desempenhada por pessoas idóneas com qualificação profissional adequada, e que assegura que as reclamações sejam tratadas de forma imparcial e gratuita.

Por regra, as empresas de seguros devem responder aos reclamantes de forma completa e fundamentada, transmitindo o resultado da apreciação da sua reclamação em 20 dias (30 dias, em situações particularmente complexas). Se a empresa de seguros não responder no prazo previsto ou o reclamante discordar do sentido da resposta, o assunto pode ser apresentado ao provedor do cliente.

  • O Provedor do Cliente é uma pessoa singular de reconhecido prestígio, qualificação, idoneidade e independência, designado por cada empresa de seguros, ao qual podem ser apresentadas reclamações relativas a atos ou omissões desta última, desde que as mesmas não tenham sido resolvidas no âmbito da gestão de reclamações.

Compete ao Provedor apreciar as reclamações que lhe sejam apresentadas, de acordo com os critérios e procedimentos fixados em regulamento próprio. O Provedor tem poderes consultivos e pode apresentar recomendações às empresas de seguros na sequência da apreciação das reclamações, as quais, todavia, não são vinculativas.

Em sede de supervisão, a ASF acompanha o acolhimento, pelas empresas de seguros, das recomendações emitidas pelos respetivos Provedores do Cliente.

  • Reclamações relativas ao seguro de saúde

Após este enquadramento, referimos então de seguida a informação mais significativa no âmbito das reclamações relativas ao seguro de saúde tratadas pela ASF em 2021.

  • Estas reclamações representam cerca de 8% do conjunto das reclamações tratadas, correspondendo, neste universo, a 1,6 reclamações por cada 10 mil pessoas seguras, menos do que o registado no ano anterior, em que se verificaram 2 reclamações por cada 10 mil pessoas seguras.
  • Mais de 55% das reclamações relativas ao seguro de saúde tiveram um desfecho favorável ao reclamante, o que ilustra a vantagem de as mesmas serem apresentadas previamente ao operador.

No entanto, não foram objeto de análise prévia pelo operador reclamado 59% das reclamações apresentadas à ASF [ainda assim em proporção inferior à verificada para a totalidade das reclamações tratadas pela ASF (66%)].

  • A maior parte das reclamações tratadas (75% no conjunto) diziam respeito aos temas “Sinistro”[7] e “Conteúdo/Vigência do contrato”[8].
  • Comunicação com o consumidor e literacia financeira

Como já mencionado, o enquadramento das responsabilidades de comunicação com o consumidor e de literacia financeira no DSC, beneficiando do feedback da área responsável pelo tratamento das reclamações e dos pedidos de esclarecimento, bem como da experiência de supervisão, permite a programação de iniciativas que procuram endereçar as principais questões que se colocam aos consumidores.

Como a ASF tem vindo a sublinhar por diversas vezes, a literacia financeira é a primeira linha de defesa do consumidor. Assim, com interesse para o tema em análise, e de uma forma muito sintética, elencam-se as seguintes iniciativas neste âmbito:

  • No âmbito da campanha “Segure-se bem!”[9], lançada em julho de 2020 e que, através de documentos com uma ou duas páginas, utilizando linguagem descodificada, procura esclarecer os consumidores relativamente a diversos temas relevantes, três iniciativas parecem especialmente indicadas para os temas aqui em análise: “Apresentar uma reclamação”, “Contratar um seguro” e “Seguro de saúde”.
  • O projeto “Vamos Falar Seguro”[10], iniciado em dezembro de 2021, segue uma lógica de entrevista, sendo preparados vídeos onde se discutem questões de natureza muito prática e se respondem a algumas das dúvidas mais frequentemente apresentadas pelos consumidores sobre diferentes matérias.

Com interesse para os seguros de saúde, incluindo a respetiva fase de contratação, podemos apontar os seguintes episódios: “O seguro de saúde explicado”, “Como apresentar uma reclamação” e “Vou contratar um seguro. Que informações devo fornecer ao segurador?”

  • Finalmente, o projeto “Academia do Consumidor”[11], lançado em março de 2022, constitui um espaço no qual é possível aceder a vídeos animados, informativos e de curta duração. A Academia inclui uma componente interativa, que permite testar os conhecimentos adquiridos, através da resposta a pequenos questionários.

Temas relevantes: “6 Dicas quando contrata um seguro” e “6 Factos que deve saber sobre o seguro de saúde”.

Deste projeto resultou também o #Dicasseguras, campanha especificamente desenhada para as redes sociais, composta por teasers extraídos dos vídeos da Academia do Consumidor.

  • Nova Norma Regulamentar sobre a Conduta de Mercado e Tratamento de Reclamações e outros projetos relevantes

Elencam-se de seguida diversos desenvolvimentos em cursos e programados a realizar pela ASF, de entre os quais sobressai a aprovação de uma nova Norma Regulamentar sobre a Conduta de Mercado e Tratamento de Reclamações pela ASF.

Trata-se de um instrumento que beneficia da experiência adquirida desde a aprovação da primeira Norma Regulamentar sobre a Conduta de Mercado, de 2009. Não pretendendo ser exaustivos, é de sublinhar um reforço das exigências em matéria de conduta, nomeadamente no que se refere ao sistema de governação das empresas de seguros e a uma maior, mais estruturada e mais transparente prestação de informação pelos operadores, tendo sempre como objetivo um maior nível de proteção do consumidor.

Esta Norma Regulamentar passará também a prever o tratamento de reclamações pela ASF, publicitando assim os procedimentos adotados, o que contribuirá para uma melhor perceção pelos consumidores da forma como esta Autoridade trata esta matéria, dos circuitos necessários e dos períodos de tempo que se podem esperar.

Outro dos pontos a sublinhar, e que encontra fácil justificação na experiência adquirida, nomeadamente no que se refere à proporção de reclamações com resultados favoráveis ao reclamante, passa pela obrigatoriedade de a reclamação passar a dever ser apresentada inicialmente ao operador em causa.

Esta alteração, aliada a uma utilização progressiva de ferramentas analíticas avançadas no tratamento de reclamações potenciará uma maior racionalização dos recursos afetos à gestão de reclamações, deixando para o julgamento humano as questões que exigem, de facto, ponderação, assegurando uma maior eficiência na análise das reclamações para as quais a intervenção da ASF se revela mais necessária, e o progressivo encurtamento dos respetivos tempos de resposta.

A ASF prosseguirá, também, a sua estratégia no âmbito da comunicação com o consumidor, desenvolvendo iniciativas e novos conteúdos focados em temas que, em cada momento, ganhem relevância. Uma maior capacitação do consumidor permite que este possa fazer as suas escolhas mais conscientemente, de acordo com as suas reais necessidades, o que também lhe traz uma maior responsabilidade.

Por outro lado, dada a proximidade de algumas matérias que se inserem nas competências legais da ASF e da Entidade Reguladora da Saúde, é proveitoso um reforço da cooperação entre ambos os reguladores, tendo por exemplo como objetivo a partilha de informação relevante sobre as reclamações recebidas por cada um deles.

Finalmente, uma referência ao programa de trabalhos que visa melhorar a qualidade da regulação e a eficácia da supervisão dos seguros de saúde, tendo como objetivo um desenvolvimento equilibrado deste segmento de negócio, salvaguardando um posicionamento mais informado dos consumidores e os requisitos de transparência que são exigíveis num tipo de seguro com esta relevância económica e social.

Este trabalho foi programado em diversas etapas, iniciando-se no final de 2020 por uma recolha de contributos através de três inquéritos específicos dirigidos aos profissionais de seguros, aos profissionais de saúde e aos consumidores em geral, nos quais se pretendia, por um lado, recolher informação que permitisse identificar as suas necessidades e a sua avaliação deste tipo de seguro e, por outro lado, enquadrar os desafios futuros, procurando-se um efetivo acompanhamento nestas matérias por parte da ASF.

Seguiu-se a realização de três sessões de audição dos principais stakeholders envolvidos no tema do seguro de saúde, com o objetivo de equacionar a implementação de regulamentação mais contextualizada, baseada na realidade vivida pelo setor segurador e mais centrada na governação dos seguros de saúde, sempre com o objetivo final de proteção dos consumidores de seguros e de equilíbrio do funcionamento do mercado.

As iniciativas que a ASF se encontra a ponderar enquadram-se numa estratégia que não se esgota na supervisão e na regulação, sendo a comunicação também um eixo relevante para o trabalho a desenvolver. Perspetiva-se, por agora: i) a criação de um microsite dedicado ao seguro de saúde do qual conste, para além de vários elementos que a ASF faculta de forma dispersa, um glossário e FAQs, por exemplo, que agreguem a informação relativa aos seguros com os conceitos relacionados com os atos médicos; ii) um Portal da Transparência, que poderá divulgar vários ratings de qualidade relacionados com esta matéria; e iii) um Observatório do Mercado dos Seguros de Saúde, no qual a ASF, em colaboração com outras entidades, se propõe divulgar um conjunto de documentos, estudos e informações úteis para melhor se conhecer e acompanhar o mercado de seguros de saúde.

Este programa de trabalho será complementado com a utilização de processos de supervisão tendencialmente temáticos, com vista a, também numa perspetiva de supervisão, obter ganhos ao nível da eficácia e da eficiência.

 

[1]   Intervenção de Eduardo Farinha Pereira, Diretor Coordenador do Departamento de Supervisão Comportamental da ASF.

[2]   Seguros enquadrados no ramo Doença ou no grupo de ramos Acidentes e Doença, previstos, respetivamente, na alínea b) do artigo 8.º e na alínea a) do artigo 12.º do regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora, aprovado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro.

[3]   Não considerando eventuais duplicações.

[4]   Cf. alínea d) do n.º 7 do artigo 16.º do artigo dos Estatutos da ASF:

“Compete ao conselho de administração, no domínio do apoio aos tomadores de seguros, segurados, subscritores, participantes, beneficiários e lesados: […] Assegurar a análise e a resposta às reclamações apresentadas pelos tomadores de seguros, segurados, subscritores, participantes, beneficiários e lesados que se refiram a questões que não estejam pendentes noutras instâncias;”

[5]   O Portal do Consumidor da ASF encontra-se em https://www.asf.com.pt/isp/PortalConsumidor.

[6]   Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/2009, de 5 de janeiro, o qual veio aditar os artigos 131.º-C a 131.º-F, prevendo que as empresas de seguros devem: i) definir e implementar uma política de tratamento dos tomadores de seguros, segurados, beneficiários ou terceiros lesados; ii) instituir uma função autónoma responsável pela gestão de reclamações; iii) designar um provedor do cliente; e iv) definir e implementar uma política antifraude.

[7]   Neste tema predominam as questões relacionadas com a “Regularização” (informação ou morosidade) e a “Indemnização” (geralmente atraso no pagamento).

[8]   Aqui são mais frequentes as questões relacionadas com o “Contrato” (em especial coberturas e exclusões e pré-existências).

[9]   O material produzido pela ASF no âmbito desta campanha poderá ser consultado em https://www.asf.com.pt/NR/exeres/B4683049-3319-4300-ABA3-199AF717E633.htm.

[10]  Poderá assistir-se aos nove episódios divulgados até agora neste projeto em https://www.asf.com.pt/NR/exeres/F31C9FB1-0735-4E56-B2C2-1D553922052F.htm.

[11]  A Academia do Consumidor encontra-se alojada em https://academiaasf.pt/.


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