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Direito à Reclamação


Ana Luísa Silva - Entidade Reguladora da Saúde

No cumprimento da sua missão de regulação e supervisão da atividade de todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde dos setores público, privado, cooperativo e social, e em conformidade com os seus Estatutos[1] aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS tem como um dos seus objetivos a defesa dos direitos e interesses legítimos dos utentes dos serviços de saúde, de entre as demais áreas de intervenção regulatória.

A todas as pessoas é reconhecido e garantido o direito de apresentar sugestões, reclamações e queixas sobre todos os aspetos relacionados com a prestação de cuidados de saúde, e é garantido também o direito de obter uma resposta adequada, clara e percetível.

Neste âmbito, deve ser garantido ao utente o acesso ao exercício do direito a reclamar e a apresentar queixa por qualquer meio, seja por via postal, correio eletrónico, Livro de Reclamações existente nos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, Livro de Reclamações Online[2], ou Livro de Reclamações Eletrónico, este último aplicável, atualmente, aos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde do setor privado e social.

Nos anos de 2016 e 2017 a ERS elaborou um estudo[3] sobre a literacia em direitos dos utentes dos serviços de saúde, no qual avaliou o conhecimento dos utentes e dos profissionais dos serviços de saúde sobre o direito a reclamar e a apresentar queixa.

Àquela data, o estudo demonstrou que a maioria dos utentes apresentava um índice global de conhecimento inadequado sobre os seus direitos e revelou um baixo nível de literacia concretamente no que diz respeito ao direito a reclamar e a apresentar queixa (apenas 23,9% dos utentes apresentavam conhecimento suficiente ou excelente do seu direito à reclamação). Por outro lado, verificou-se também que aproximadamente 40% dos profissionais de saúde e do pessoal administrativo revelou um baixo nível de literacia sobre este direito dos utentes.

Alinhado com estas conclusões, no ano de 2021 a ERS teve conhecimento de reclamações, elogios e sugestões, efetuados em apenas 10,1% dos estabelecimentos registados do Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS. Sem prejuízo de estes incluírem os prestadores de cuidados de saúde mais representativos em termos de dimensão, dos setores público, privado, cooperativo e social, a ausência de reclamações, elogios e sugestões em aproximadamente 90% dos estabelecimentos registados, poderá indiciar ainda um baixo nível de literacia dos utentes ou dos profissionais dos serviços de saúde quanto ao exercício do direito a reclamar e a apresentar queixa.

Considerando as suas atribuições e competências, a ERS tem como incumbência apreciar todas as reclamações feitas sobre os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, monitorizar o seguimento que lhes é dispensado e desenvolver ações de informação, capacitação e redução de assimetrias de informação, promovendo a literacia em direitos e deveres dos utentes.

Por outro lado, ao abrigo do Regulamento n.º 65/ 2015, de 11 de fevereiro[4], cabe ao prestador de cuidados de saúde remeter todas as suas reclamações, elogios e sugestões à ERS através do Sistema de Gestão de Reclamações (SGREC) da ERS. O prestador tem a obrigatoriedade de assegurar o direito à reclamação e de garantir, em primeira linha, a análise, o tratamento e a resolução das suas reclamações, providenciando uma resposta adequada e percetível ao utente.

A apreciação das reclamações pela ERS é efetuada individualmente, caso a caso. A intervenção da ERS neste âmbito implica uma análise qualitativa sobre a informação recebida, tanto ao nível da qualidade do processo, como da criticidade do conteúdo material da reclamação. A análise é assim realizada de acordo com duas perspetivas distintas.

Por um lado, a ERS analisa a qualidade e o cumprimento dos requisitos legais associados ao tratamento processual das reclamações, procedendo à monitorização do seguimento dado pelos prestadores às reclamações de que são objeto. Por outro, aprecia o conteúdo material de cada reclamação e averigua se se trata de matéria sobre a qual lhe caiba intervir, no âmbito das suas competências de supervisão do sistema de saúde, ou se a reclamação necessita de ser encaminhada para uma instituição com competências específicas sobre a questão reclamada.

Caso se detetem indícios de incumprimento de requisitos ou procedimentos fundamentais para a qualidade e segurança dos cuidados ou para o livre exercício dos direitos de acesso a cuidados de saúde e outros direitos e interesses legítimos dos utentes, ou não conformidades a nível processual, ou a existência de outra matéria sobre a qual cumpra à ERS intervir, procede-se a uma avaliação mais aprofundada da situação, através de diligências específicas junto dos prestadores e/ou da abertura de um processo de inquérito, de avaliação ou mesmo de contraordenação, ou da apensação da reclamação a outro processo já em curso na ERS. Nestas situações, é avaliada a necessidade de intervenção regulatória adicional.

Figura 1 – Distribuição anual dos processos REC submetidos à ERS.

Fonte: Relatório do Sistema de Gestão de Reclamações (SGREC) de 2021

Atualmente a ERS tem implementado um modelo de seleção de reclamações, designado por “modelo de picking”, de acordo com os seguintes pressupostos:

  1. A utilização de uma funcionalidade de classificação de processos REC por temas e assuntos, para definir prioridades na apreciação, de forma a que aqueles com maior potencial de gravidade sejam analisados mais rapidamente.

Importa referir que a classificação dos processos REC por tema e assunto é efetuada, na sua maioria, pelos prestadores de cuidados de saúde no momento de submissão da reclamação à ERS;

  1. A aplicação de uma metodologia simplificada para análise de elogios, sugestões e temas de menor complexidade e impacto no acesso, segurança e qualidade dos cuidados de saúde, que permitem uma gestão mais eficaz e eficiente da lista de processos pendentes de apreciação pela ERS.



Figura 2
– Esquematização do processo de seleção, leitura e apreciação diária de processos REC no “modelo de picking” da ERS.

Os técnicos da ERS visualizam e tramitam individualmente cada processo REC, já classificado por temas e assuntos, ordenado consoante a sua relevância, e reclassificando-o sempre que necessário.

Adicionalmente, a ERS promove a análise transversal de eventuais incumprimentos dos prestadores de cuidados de saúde, e de tendências no comportamento do setor regulado, através da identificação de múltiplas reclamações associadas entre si, com base em métodos de sinalização efetuados pela equipa da ERS, mas sempre após a leitura de cada reclamação.

Estas ações permitem quer a identificação atempada de restrições de acesso a cuidados de saúde e falhas de qualidade e segurança permitindo intervenções regulatórias identificadas, quer a emissão de alertas de supervisão e notas de informativas relevantes com a interpretação da ERS sobre matérias específicas.

Tendo em consideração o exposto, facilmente se compreende que a qualidade da informação recolhida pela ERS é essencial para que esta seja verdadeiramente útil à sua atuação regulatória e de supervisão.

Nesse sentido, e sem prejuízo do automatismo já associado ao processo de leitura e tramitação de processos REC, considerou-se fundamental evoluir e munir a ERS de novos mecanismos que permitissem obter uma triagem assertiva dos processos recebidos e garantir a qualidade na priorização das reclamações para análise.

Assim, é no contexto da recolha de grandes volumes de dados nesta área de apreciação de reclamações, que a Inteligência Artificial surge como um importante instrumento de apoio à análise de dados e tomada de decisão.

Desde 2020, ao abrigo do programa SAMA 2020, a ERS, em conjunto com a Faculdade de Engenharia Universidade do Porto (FEUP) e com o Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores (LIACC), tem estado a desenvolver um projeto cofinanciado, com a referência POCI-05-5762-FSE-000205, que visa a apreciação de reclamações privilegiando técnicas de análise associadas a modelos de inteligência artificial, nomeadamente com impacto nas grandes áreas acima referidas, tais como a (re)classificação das reclamações consoante os temas/assuntos e o apoio à decisão e à análise transversal de eventuais problemas evidenciados nas reclamações sobre o sistema de saúde, bem como a otimização do procedimento associado à tramitação das reclamações.

Em concreto, este projeto centra-se nos seguintes objetivos:

  1. A criação de um processo automático para extração de informação de reclamações através de métodos de inteligência artificial;
  2. A melhoria da classificação automática de reclamações através de modelos de aprendizagem automática;
  • A criação de modelos de análise de padrões e deteção automática de incumprimento dos prestadores de cuidados de saúde em matéria de garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de saúde de qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes, através da deteção de reclamações relacionadas entre si;
  1. A criação de sistemas de alarmística inteligente;
  2. A introdução de mecanismos que auxiliem a tomada de decisão da equipa da ERS com base no histórico de intervenção regulatória e na informação do sistema de saúde recolhida automaticamente, sugerindo à equipa da ERS, sempre que aplicável, resultados de decisão de processos REC, com base no histórico de intervenção regulatória em reclamações semelhantes;
  3. A otimização das metodologias de trabalho diário da equipa da ERS e a consequente minimização da probabilidade de ocorrência de erros e garantia de uma resposta mais contemporânea e de maior qualidade ao utente dos serviços de saúde.

Em suma, no que diz respeito à apreciação de reclamações, e com vista a contribuir para uma intervenção mais célere, a ERS procurou desenvolver modelos de inteligência artificial para reforçar a análise preditiva, o estabelecimento de prioridades e garantir a eficiência e eficácia do processo de intervenção com identificação de tendências no comportamento dos prestadores de cuidados de saúde face à perceção dos utentes dos serviços de saúde.

A ERS continuará a promover a sensibilização e informação dos utentes sobre os seus direitos e deveres, capacitando-os para a apresentação de reclamações com mais qualidade e consciencializando-os para a reclamação como um importante instrumento para a promoção de comportamentos mais esclarecidos no sistema de saúde, para a resolução de cada situação concreta e para a diminuição global da conflituosidade entre prestadores e utentes dos serviços de saúde.

 

[1] Os estatutos da ERS foram aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, disponível em https://www.ers.pt/uploads/writer_file/document/1605/DL_126_14.pdf.

[2] O livro de reclamações online encontra-se disponível no website da ERS em https://www.ers.pt/pt/reclamar-diretamente-a-ers/.

[3] Estudo sobre literacia em direitos dos utentes de cuidados de saúde (2016/ 2017) https://www.ers.pt/pt/comunicacao/noticias/lista-de-noticias/literacia-em-direitos-dos-utentes-de-cuidados-de-saude/.

 

[4] O processo de submissão à ERS e tratamento das reclamações pelos prestadores consta do Regulamento n.º 65/2015, de 11 de fevereiro, disponível em https://www.ers.pt/uploads/writer_file/document/1636/Reg65_15.pdf.

[5] Um processo REC pode ser classificado como “reclamação”, “elogio” ou “sugestão”, ou com mais do que uma destas opções em simultâneo.

[6] As reclamações são classificadas com um ou mais temas, cada um contendo vários assuntos. A lista dos dez temas e respetivos assuntos podem ser consultados nos Relatórios do Sistema de Gestão de Reclamações da ERS, disponíveis em https://www.ers.pt/pt/atividade/defesa-dos-direitos-dos-utentes/relatorios/relatorios/.


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