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Alerta de supervisão n.º 3/2024

Alerta de supervisão n.º 3/2024

Direito ao acompanhamento de pessoas com deficiência, em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida

Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tem tomado conhecimento de situações nas quais utentes com deficiência, em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida, não veem garantido o seu direito ao acompanhamento em estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, com particular incidência nos serviços de urgência;

Considerando que a Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, que aprovou a nova Lei de Bases da Saúde, na sua alínea h) da Base 2, consagra, inequívoca e individualizadamente, o direito do utente a ser acompanhado “por familiar ou outra pessoa por si escolhida”;

Considerando que a referida solução legislativa reforça o estatuto do direito ao acompanhamento no ordenamento jurídico português, que já encontrava guarida noutros diplomas legais que o precederam, desde logo na Lei n.º 15/2014, de 21 de março;

Considerando que, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 12.º na Lei n.º 15/2014, de 21 de março, é “reconhecido o direito de acompanhamento familiar […] a pessoas com deficiência, a pessoas em situação de dependência e a pessoas com doença incurável em estado avançado e em estado final de vida”, o que denota um especial cuidado do legislador na garantia de que estas pessoas sejam acompanhadas em qualquer estabelecimento de saúde (dos setores público, privado, cooperativo ou social);

Considerando que o n.º 1 do artigo 20.º da referida Lei, reforça que as “pessoas com deficiência ou em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado e as pessoas em estado final de vida” que se encontrem internados numa unidade hospitalar, têm direito a serem acompanhados de forma permanente por “ascendente, descendente, cônjuge ou equiparado e, na ausência ou impedimento destes ou por sua vontade, [por] pessoa por si designada”[1] ;

Considerando que, apesar de estar prevista no artigo 14.º da referida Lei a possibilidade de introdução de limites ao direito de acompanhamento, tal não poderá assumir-se como regra aplicável de forma irrestrita e indeterminada para toda e qualquer situação, sem a necessária ponderação circunstanciada de cada caso concreto, o que ganha uma nova dimensão quando em causa estão pessoas com deficiência, em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida;

Considerando que, embora a lei preveja, de forma geral, a possibilidade de introdução de limites ao direito de acompanhamento, não se pode desconsiderar que nas situações que envolvam pessoas com deficiência, em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida, deve ser exigida uma especial ponderação das especificidades de cada situação, pelo que, a aplicação de restrições ao direito de acompanhamento deve ser, realmente, excecional e fundamentada;

A ERS, no exercício dos seus poderes de supervisão, alerta todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, para o seguinte:

  1. Deve ser garantido, em permanência, o direito ao acompanhamento dos utentes, em particular das pessoas com deficiência, em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida, conforme o disposto na alínea h) da Base 2 da Lei de Bases da Saúde, nos artigos 12.º, 13.º e 15.º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março, ou de qualquer outro diploma que venha dispor sobre a mesma matéria;
  2. Em situações verdadeiramente excecionais, em que ocorra a decisão de não acompanhamento dos utentes:
    1. Deve ser garantida a existência de procedimentos internos aptos a assegurar que, durante a permanência nos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, as pessoas com deficiência, em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida são devidamente monitorizadas e acompanhadas, de forma consentânea com a verificação de eventuais alterações do seu estado de saúde;
    2. Deve ser garantida a prestação de informação aos utentes e seus acompanhantes sobre os motivos que impedem a continuidade do acompanhamento, de acordo com as regras e orientações a cada momento aplicáveis, designadamente, de acordo com o n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março;
  3. Apesar dos aludidos diplomas legislativos não concretizarem a definição de “pessoas com deficiência, em situação de dependência, com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida”, é possível, na legislação conexa, enquadrar linhas orientadoras que, apesar de não taxativas, permitem uma concretização conceptual. A saber:
    1. pessoas com “deficiência”:
      • Qualquer pessoa que não possa, por si só, responder total ou parcialmente à exigência da vida corrente, individual e/ou coletiva, por motivo de qualquer insuficiência, congénita ou adquirida, das suas capacidades físicas ou mentais (Declaração de Direitos das Pessoas Deficientes, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 9 de dezembro de 1975);
      • Qualquer pessoa que tenha incapacidade duradoura física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência, adotada a 13 de dezembro de 2006 pela Assembleia Geral da ONU);
      • Qualquer pessoa que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe limitar ou dificultar a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas (Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto);
    2. pessoas “em situação de dependência”:
      • Qualquer pessoa que se encontra incapacitada (física e/ou psíquica), de forma permanente ou temporária, de satisfazer as suas necessidades básicas de vida diária, precisando, para tal, de terceiros ou do apoio de ajudas técnicas;
      • Qualquer pessoa que se encontra numa situação de dependência de terceiros e a necessitar de cuidados permanentes (Lei n.º 100/2019, de 6 de setembro, na redação em vigor, e Decreto Regulamentar n.º 1/2022, de 10 de janeiro);
    3. pessoas “com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida”:
      • Pessoas que padeçam de doença grave, que ameace a vida, em fase avançada, incurável e irreversível e exista prognóstico vital estimado de 6 a 12 meses (artigo 2.º da Lei n.º 31/2018, de 18 de julho).

A ERS disponibiliza informação sobre o direito ao acompanhamento em área dedicada aos direitos e deveres dos utentes dos serviços de saúde, tendo já emitido várias instruções na presente temática, disponíveis para consulta em https://www.ers.pt/pt/atividade/supervisao/selecionar/deliberacoes/direitos-dos-utentes-acompanhamento-pessoas-vulneraveis/.

 

[1]   Nestes casos, não existe qualquer tipo de limitação ao acompanhamento, referindo-se a lei às condições em que esse acompanhamento deve ser exercido, isto é, com respeito pelas instruções e regras técnicas relativas aos cuidados de saúde.